sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

um dia no projeto social

 Esses últimos meses sem trabalho por causa da pandemia, resolvi conhecer um projeto no centro da cidade. Esse projeto atende moradores em situação de rua fazendo cadastro e tirando segunda via de documentos. Fiquei algumas horas observando os voluntários e ajudando a preencher papéis de cadastros para segunda via de documentos. Percebi como tem tanta gente que precisa do poder público, tantos que não tem uma direção e querem ser ajudados e pôr um novo rumo na vida, porém não sabem para onde se orientarem, estão zonzos pelas porradas da vida, os entraves, os descasos  e a burocracia do poder público que fecha os olhos para todos esses problemas.  


São diversas pessoas desabrigadas e orfãos da vida: de adolescentes até idosos. Vivemos presos a vida cotidiana, mas deixamos essas pessoas sem ajuda, sem amparo. E como sabemos, a revolta social se volta contra nós mesmos. 

Antes de particpar da experiência no projeto, estava um tanto que receoso.  Logo chegar, fiquei um tanto tímido e sério, meu jeito mais  quando a mentora do projeto para eu preencher algumas fichas. Minha letra nada boa me trazia preocupações de alguém que não escreve uma frase há tempos nessa era digital. Não sei se ficará legível para o pessoal, mas enfim...

Com meu jeito reservado atendi alguns. Primeiro foi um senhor que eu não conseguia entender o nome, pois acho que não tinha dente e assim eu pedia para ele repetir o nome diversas vezes. Depois, atendi uma colombiana que pedia panos para bordar e um senhor que contou sua história de um pai de dois filhos, abandonado e desempregado que vivia num abrigo na taquara. Depois conheci a saudosa Erica que vivia há muito tempo pelas ruas do centro. Erica era uma negra de grande porte, usava um gorro e uma camiseta, bem articulada e muito inteligente, com voz de homem e jeito. Muito jovem, talvez uns 39 anos, ela gostava de se gabar de sua cultura e enfatizava "Eu fiz segundo grau!". Sabia de política, história e o que passava nas ruas do Rio. Seguramente sabia muito mais sobre a vida do que muitos ricos e milionários no Brasil. Não me parecia ter dependências de drogas. Disse-me que vivia nas ruas desde o presidente FHC. Ela era como uma mãe e orientadora para os moradores de rua. 


Ao lado, havia alguns moradores de rua nordestinos. Esses gostavam de farra. Bebiam sua cachacinha e brincavam o tempo todo. Um desses gritava fazendo chacota de alguns que tentavam entrar na fila de novo e repetir o prato que recebiam dos beneditinos "Mendigo, acabou a comida! " e dava altas gargalhadas após sua fala.


Uma hora chegou um senhor  com rosto cheio de cicatriz levando uma mala de rodinhas que me disse que precisava de advogados e logo iniciou seu discurso raivoso contra o ser humano " Todos só querem dinheiro.." E assim prosseguia seu ódio a humanidade, carregando mágoa e sem ver um horizonte melhor. Sua cara sempre amarrada e de poucos amigos. Dizia que era de alta classe média e que seus imóveis foram tomados pela família. Não sei até que ponto que ele me falava era verdade. Só sei que Só o escutei e deixei desabafar. Em instantes , após conseguir o endereço da defensoria se foi.


Essa experiência para mim foi excepcional. Ouvir realidades da vida, aquelas pessoas invisíveis e suas história me fez sentir um pouco mais humano e me despertar para vida e sua totalidade. Aquelas poucas horas ali naquele projeto me fizeram sentir mais participativo nesse mundo, me tornar mais útil, mesmo que eu esteja ali preenchendo umas papeladas burocráticas a moda antiga. O que esses moradores precisam é carinho e ajuda, alguém que ouça a história  pelo menos tente ajudar, alguém que se interesse pelos problemas que eles passam e os escutem por alguns minutos.





 

 











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